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A mudança contínua do inglês: dor de cabeça para o tradutor
A língua inglesa está viva e passa bem. Só que às vezes ela me faz passar tão mal... Além de enfrentar as mudanças normais de vocabulário que ocorrem em todos os idiomas devido ao surgimento de uma extraordinária variedade de objetos e processos, seja na vida cotidiana (TV por satélite em partes remotas da China), seja em situações altamente especializadas (avanços de todo tipo na biotecnologia), o inglês está sofrendo alterações no uso que, acredito, constituem uma verdadeira dor de cabeça para o tradutor. Sem contar o velho método de consultar o autor, em geral é possível encontrar o significado de uma palavra incomum em definições de glossários ou contextualizações nos bilhões de sites da Web que se tornaram acessíveis com os mecanismos de procura. Por outro lado, o uso é um assunto mais delicado, tanto que até quando o tradutor tem acesso ao autor de um determinado documento, a consulta pode não resultar em unidade traduzível como uma definição. O que eu gostaria de discutir são alguns exemplos específicos do uso com os quais me deparei e que me fizeram refletir ao traduzir documentos que tratavam de procedimentos operacionais comuns da indústria farmacêutica. Traduzo principalmente ao espanhol, mas não irei aqui sugerir nenhuma solução de tradução para qualquer idioma específico porque meu foco são as dificuldades ao analisar o inglês, uma tarefa independente da língua de destino. Especificamente, vou me concentrar em três tipos de uso que descobri serem preponderantes e dificultosos: a inversão da categoria das palavras, a barra colocada entre duas palavras e as omissões. Talvez o tipo mais comentado de conversão da categoria das palavras seja a verbalização, a transformação do substantivo em verbo, também chamada de “verbing” (que é um exemplo em si do fenômeno). Descobrimos que as coisas devem ser centrifuged (centrifugadas), autoclaved (submetidas a autoclave), pipetted (medidas com pipetas), chromatographed (cromatografadas) ou filtered (filtradas). Todos esses verbos se originam de substantivos que descrevem um instrumento ou processo, e o único termo que não é normalmente encontrado como verbo em dicionários comuns é “autoclave”. As verbalizações deste tipo me parecem naturais; uma transformação do instrumento ou processo em um verbo faz com que o idioma fique mais conciso, tornando desnecessário dizer process in the centrifuge (processar na centrífuga), sterilize in the autoclave (esterilizar no autoclave), dispense with the pipette (distribuir com a pipeta), analyze using chromatography (analisar com cromatografia), pass through a filter (passar em um filtro).
O que não me parece tão natural é a transformação com base no objeto da ação, por exemplo, como ocorre com a palavra “gown” (avental). No trecho “the associate shall gown” (o assistente colocará o avental) não significa que o funcionário realmente colocará o avental, mas sim a vestimenta higienizada e os acessórios necessários. Nos documentos que traduzi, o verbo substituía a expressão “don the gown” (colocar o avental), na qual um verbo arcaico é mantido. Embora desconcertante no início, era justificável. O que realmente me transtornou foi esta instrução: “If there is no data, NA it” (Na ausência de dados, basta NDá-lo). O objetivo era a pessoa escrever NA (do inglês, Not Available, traduzido como “Não Disponível”) no espaço destinado aos dados. O objeto da ação tornou-se o nome da própria ação, como no caso de “gown”. Em todo caso, essas conversões são de uso constante no inglês, podendo ou não ser traduzidas diretamente. Talvez seja necessário determinar o que o instrumento faz, em que consiste o processo ou o que deve ser feito ao objeto; ou seja, tudo o que foi mascarado na conversão da categoria do termo. Pode ser que, em vez de distribuir com a pipeta, haja aspiração com a pipeta, por exemplo. O Translation Journal publicou recentemente um artigo online de grande utilidade elaborado pelos tradutores Hernandez e Cabrera sobre esse assunto, disponível no site da Accurapid (http://accurapid.com/journal/31conversion.htm). Outro uso que se tornou comum é a colocação de barra (/) entre duas palavras. A tendência pode ter se iniciado com o uso de “and/or” (e/ou), que é quase universalmente condenado. Não há tradução para “and/or” porque se trata de uma expressão de significado insondável. O termo visa à concisão, ainda que em frases como “quality degradation and/or bioburden contamination” (degradação da qualidade e/ou contaminação por materiais biológicos) o “or” somente já seria suficiente. Parece-me que parte do problema da expressão “and/or” é que a relação entre os elementos é realmente de natureza hierárquica, no qual um elemento poderia ser um exemplo de outro. Se houver contaminação por materiais biológicos, por definição, há degradação da qualidade. O que o escritor pretendia dizer era “degradação da qualidade como, por exemplo, por contaminação por materiais biológicos” e não “degradação da qualidade ou contaminação por materiais biológicos ou ambos”, a versão longa de uma frase com “e/ou”. Como exemplo de outro campo, apresento este trecho de um documento da Organização Mundial de Comércio: 3.
Interpretação de “e/ou” Devido a restrições de espaço, limitarei a discussão ao parágrafo acima, extraído do site da OMC sobre a interpretação de “e/ou”. As conseqüências da falta de significado da expressão neste caso afetaram um setor importante do comércio mundial, o mercado do algodão. Há também o uso em uma situação em que os elementos não são subconjuntos entre si, como na instrução “colocar em uma mesa e/ou prateleira”. Aqui o problema é realmente uma impossibilidade física: não é possível colocar o mesmo objeto em uma mesa e em uma prateleira ao mesmo tempo. Poderia fornecer vários outros exemplos, mas o que estou tentando enfatizar é que o tradutor enfrenta um problema real, não apenas um subterfúgio estilístico, como alguns gostariam de classificar o “problema do e/ou”. O fato de que há milhões de exemplos de “e/ou” usados não significa que os usuários estejam sendo claros. A
barra passou a ser usada em incontáveis formações
como, por exemplo, “manager/supervisor,”
“purchaser/planner,” “cleaning/sanitizing,”
“transcription/translation.”
No caso de transcription/translation, com referência à biotecnologia, no entanto, poderemos ver transcrição/tradução como uma forma fixa ou uma lexicalização. Ou seja, a barra como a versão contemporânea do hífen na criação de termos compostos. É provável que isso seja uma conseqüência indesejável de vermos tantas barras em endereços eletrônicos e em outros usos associados a computadores. Qualquer que seja a origem, é mais uma razão para se recorrer à aspirina. Se desejar ler mais sobre a barra, recomendo o artigo “Slash the Slash”, de Stephen deLooze, no site da European Medical Writers Association, e “Use of the Solidus between Words, Symbols, and Abbreviations” (autor desconhecido), no site da American Physical Society. Descobri que tentar entender como e por quê a barra é tão usada me ajudou a penetrar no texto que estou traduzindo, e esses artigos são muito úteis para essa finalidade. A causa final da minha dor de cabeça são as omissões. Onde está o artigo na expressão “line to permeate” (linha para introdução) que me diz que permeate é um substantivo e não um verbo? Como é que eu vou saber que um “pre integrity test” é um teste de integridade anterior a um processo ou a uma etapa? Então, um “aseptic fill” (enchimento asséptico) não está preenchendo nada? É um teste feito para verificar se o nível de assepsia foi mantido? Em “Would you want to generate a nonconformance” eu pensaria a princípio que se tratava de criar uma falta de conformidade. Mas não! A pergunta é se eu gostaria de elaborar, na verdade, um nonconformance report (relatório de não-conformidade). Recebi a explicação de que “temperature EN” é um dispositivo com um número de equipamento (Equipment Number) usado para medir a temperatura. E o engenheiro, exultante, me explicou que “temperatura não é substantivo!” Outro exemplo:
HPLC significa “High Pressure Liquid Chromatography”. Como algo pode “partir” da Cromatografia a Líquido de Alta Pressão? Obviamente, é do dispositivo, válvula ou sistema de HPLC. Poderia dar mais exemplos, mas meu objeto é assegurar aos meus colegas, que serão para sempre chamados de traidores, que o inglês é como qualquer outro idioma: uma língua em constante mudança, cujos falantes farão o que bem entenderem, apesar dos guias de estilo e da censura dos editores. Tradutores de textos científicos, se tiverem sorte, terão acesso a pessoas que poderão desvendar esses mistérios que mencionei. Espero que esses comentários sejam úteis aos que enfrentam esses obstáculos no trabalho. Anne Jones vive em Porto Rico desde 1953. Como tradutora free-lance e diretora da Sygnos Translations, a autora trabalha há bastante tempo com textos jurídicos e de manufatura, especialmente na área farmacêutica. Anne preferiria ganhar a vida traduzindo a poesia de Hjalmar Flax. This
article was originally published in Сcaps Newsletter
(http://www.ccaps.net)
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